segunda-feira, 2 de novembro de 2009

A verdade por detrás das escolhas éticas e morais

Num mundo em que as únicas fronteiras são a nível geográfico, o contacto permanente com vários ideais, princípios e novas realidades tornou-se trivial, ao ponto de que a maior parte das novidades deixaram de ser notadas. A actualização é constante e a sociedade tenta acompanhar esse ritmo. Pela primeira vez na existência do ser humano como ser social, as civilizações desapareceram para dar origem a uma grande e massiva sociedade abrangente ao conjunto de todos os indivíduos.
A globalização e a rapidez com que a informação é gerida trouxeram novos problemas à mente humana, problemas que afectam tanto miúdos como graúdos, mas ainda mais aqueles que estão na fase transaccional entre o jovem sem limitações morais e o adulto racional e regido pelos seus próprios princípios e ideais. Seja numa altura mais precoce no seu percurso existencial, ou mesmo um pouco mais tarde que o habitual, todo o individuo passa por essa fase, caracterizada pelas crises de identidade, a desarrumação mental e algumas das decisões mais importantes a nível pessoal. Embora pareça que muitas pessoas saltaram esta parte das suas vidas e por isso continuaram a ser quase tão irresponsáveis como antes, ou simplesmente sem criar as suas bases morais, acabaram eventualmente por tomar decisões.
As decisões a nível ético e moral, são sem dúvida as mais difíceis, não aquelas entre bem e mal, mas entre dois bens, é fácil escolher entre ser uma pessoa justa a uma pessoa injusta, mas é bastante difícil escolher entre justiça e amizade quando existem casos em que estas seriam as duas únicas escolhas possíveis.
Todo o individuo é espelho do contexto cultural em que foi educado, daí existirem poucas divergências nas personalidades das pessoas que viviam na mesma terra, pois qualquer terra era isolada do resto do mundo em certa altura. Neste momento o mesmo se passa, cada um é espelho do seu meio cultural, a única diferença é que este contexto cultural modificou-se e tornou-se bastante abrangente, fazendo com que numa localidade a diferença de personalidades seja mais acentuada, e criando dúvidas onde elas não existiam e por isso todo esse processo de maturação mental e de tomada de decisões resume-se à procura da verdade e da certeza por detrás destas de que a nossa felicidade depende. Outra das decisões que somos confrontados actualmente é a nível espiritual ou religioso algo que em tempos foi tomado como certeza e incutido desde nascença, começa agora a sofrer alterações criando autênticos dilemas nas mentes de alguns jovens adultos que começaram a duvidar.
Como resolver estes problemas e guiar os nossos jovens adultos para a maturação mental e não deixá-los estagnar? Como lhes dar um rumo se nem mesmo muitos adultos sabem fazê-lo?
Muitos arranjam-se sozinhos mas existem aqueles que procuram rumo nos exemplos dos outros, e entre os peritos na matéria de resolução de dilemas mentais, e mestres de uma actividade que poucos parecem conhecer, pensar. São eles os filósofos. Existe uma personagem histórica quase perfeita, não por ter pensado nestes dilemas, mas por tê-los vivido, retratado, e pensado. E por mais incrível que pareça essa personagem não é nossa contemporânea, e nem viveu na Modernidade, esta personagem nasceu em 354 d.C. no Norte de África, é ele Santo Agostinho. E antes que se comece a estranhar a ligação entre ele e um tempo de quase 1650 anos depois, diga-se apenas que Gérard Depardieu, a 9 de Fevereiro de 2003, declamou na Catedral de Notre Dame em Paris, diversos livros da mais emblemática obra de Santo Agostinho, As Confissões. Ou então, as influências que teve no trabalho de Descartes treze séculos mais tarde. Santo Agostinho afirmava que a dúvida serve para dar razão da existência do sujeito que dúvida, estando isso explícito na fórmula agostiniana “Si fallor, sum” (se me engano, existo), que não é de todo diferente de “Dubito, ergo cogito, ergo sum” (Duvido, logo penso, logo existo) de René Descartes.
Aurélio Agostinho nasceu em Numídia (Norte de África) em tempo de Império Romano, já depois de o Cristianismo ser considerado a principal religião deste, mas existiam na época diversas religiões diferentes. Na altura o baptismo era praticado tardiamente, uma vez que as pessoas podiam de facto escolher e decidir com que religiões se identificavam mais, Agostinho não foi excepção à regra. Sua mãe, Mónica, era cristã devota, e com ajuda de seu marido conseguiram pagar uma boa educação a Agostinho, por isso desde muito cedo teve contacto com diferentes realidades espirituais. De facto antes da sua conversão Agostinho foi aliciado pelos maniqueístas com crenças bem diferentes das da religião cristã.
Em sua obra, As Confissões, Agostinho de Hipona retrata a sua conversão, o tempo anterior a ela e o tempo depois desta, com tanta minuciosidade que se conseguem de facto ler os seus dilemas e constatar que não são muito diferentes dos que muitos jovens adultos passam hoje, daí a actualidade de Santo Agostinho.
Fez algo que muito poucos ousaram fazer utilizar a razão e associá-la a Deus, pois a felicidade para Agostinho radica no encontro da Verdade, imutável, eterna, absoluta e suprema, uma verdade que apenas pode ser Deus. E essa verdade era para ele apenas possível de ser encontrada através do raciocínio. Para Agostinho a verdade era o meio para atingir a felicidade. Esta pode não ser para muitos a felicidade de que Agostinho fala, mas é sem dúvida um meio para atingir um certo conforto, na resolução dos dilemas pessoais. Se alguém afirma, querer encontrar a verdade, mas ainda não conseguiu essa pessoa jamais poderá ser uma pessoa feliz, segundo isto pode-se concluir que Agostinho era por isso um eudemonista; aquele que considera que a felicidade se atinge quando se consegue o bem ao qual se aspira; e como eudemonista existe em Agostinho uma coincidência entre bem e felicidade.
Mas como encontrar essa verdade que nos leva à resolução destes dilemas? O Agostinho intelectual que procura incansavelmente a verdade e a natureza dessa verdade sabe que na palavra, no diálogo e na troca reside uma das fontes de conhecimento, outra é proporcionada pela questão e a dúvida, algo que Agostinho nunca deixou de praticar. Mesmo depois da sua conversão, que embora suponha um antes e um depois na repercussão prática da sua vida, não significa uma ruptura radical com a sua actividade intelectual anterior.
E para aqueles que não acreditam na verdade, para aqueles que se auto-intitulam cépticos, e que afirmam que “Não existe verdade, pois podemos duvidar de tudo”, Agostinho responde com sabedoria: “Poderá duvidar-se de tudo o que se quiser, mas daquilo que não há dúvida é desta mesma dúvida”.
Agostinho depois da conversão, e já como Bispo de Hipona dedicou-se entre variadas tarefas a combater as várias “facções” cristãs, como os donatistas ou os pelagianistas, e outras religiões diferentes, os maniqueístas dos quais fez parte, e a religião pagã. Não combatendo fisicamente, mas com as armas que usou para encontrar o seu próprio rumo, o diálogo, a dúvida e a questão, e com isso através de sermões e várias publicações conseguiu juntar uma grande massa de gente. Mesmo durante este período de maior certeza e maior organização mental, Agostinho na sua relação com Deus não se tratava apenas de acreditar mas, principalmente, de entender porque razão o homem, neste caso o homem Agostinho, acreditava em Deus.
Através de Agostinho, e da sua emblemática obra as Confissões, os jovens adultos podem arranjar a solução dos seus dilemas, e mesmo que não tenham o mesmo resultado ou conclusão que Agostinho, tenham a certeza quando escolhem construir a sua personalidade, saibam como a querem definida, porque só isso é a base para a felicidade, pois como Agostinho de Hipona afirmou, “que o meu leitor, se partilhar da minha certeza, faça o caminho comigo; se partilhar das minhas dúvidas, procure comigo”.

Simão Ramos, 11º C

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